quarta-feira, 19 de abril de 2017

Metropolitano


Quando você saiu em direção ao Afonso Pena, cortei os pulsos. Me enforquei em todas as árvores do Barigui. Quando você partiu naquele avião reluzente, tomei cicuta com cerveja no Largo, e bati a cabeça contra os prédios velozes das rápidas curitibanas.
Passaram dias. Passaram séculos. Eu dormi em vias públicas. Na frente da rodoviária, me embebi em álcool Tubarão e acendi fósforos Pinheiro, ateei fogo em mim - mais de dez vezes.
Quando você se foi, eu corri para baixo dos caminhões velhos carregados de madeira que ainda passam pela Linha Verde. Eu me joguei do Edifício Asa. Caí do Viaduto do Capanema propositalmente. Quando você foi embora, eu atirei contra meus dois ouvidos. E procurei encontrar todas as balas perdidas de Colombo. Na Avenida das Torres, escalei todas as torres e cortei os fios de alta tensão com tesoura de jardineiro. Saí sem rumo, rumo à Graciosa - tropeçando nas pedras - me amarrei à linha do trem que desce a Serra. Eu enfiei barras de ferro no peito. Cordas no pescoço. Greve de fome. Drogas pesadas. Coma alcoólico e chumbinho.
Mas a saudade ainda dói.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Utópica

Lembra quando, de mãos dadas,
podíamos ser o que quiséssemos?
Construímos nossa utópica eternidade:
de dia, abriríamos as janelas do mundo,
à noite, estenderíamos o céu sobre a cidade...

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Ho(r)mônimo

Nota toda essa poesia, menina?
Tudo isso não passa de ocitocina.
Esquece esse romantismo
Nos muros da primeira esquina
Que o que não é poesia, querida,
É somente reação química.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Sobre tua pele

De modo desajeitado rabisco o traço
faço das palavras galhos, fractais
e reescrevo as veias do teu braço.
Circulo minhas mãos com giz,
então, marco minha palma em ti.
São versos e também são cicatriz.
Assino meu nome sem testemunhas
e, reticente, pontuo tuas sardas.
Grafo tuas costas com a ponta das unhas
Anotando os tons, as notas, as impressões,
sublinho o caminho do teu perfume
Escrevo estórias, componho canções.
Com  caneta vermelha cambaleante
marco, rabisco, desenho e borro
as várias faces do teu semblante.
Exclamo em teu ouvido o teu nome.
Marco teu pescoço de nanquim
que não apaga e a água não consome...
Mas erro a grafia sempre que convém.
Por isso...
Se eu escrever um poema sobre tua pele
promete que não irá mostrar a ninguém?


quinta-feira, 7 de abril de 2016

Estático


O andarilho deu de topo com o poeta
Exausto de miséria, com sua couraça de bronze – ambos.
O poeta está mudo, estático, mas oferece o colo quente de sol.
Debruça o andarilho sobre a matéria inerte.
A vida é dura, o poeta, maciço.

E eu também, cansado que estou,
Repouso a cabeça repleta no teu ombro-palavra
Só quero teu colo poético, e teu eu-profético,
A me afagar os cabelos rebeldes, dizendo
Que o sol e a cidade passam, mas o amor, não.





terça-feira, 29 de março de 2016

Reticente

Vem e coloca sal no meu suco.
Age como são quando está maluco.
Despeja fel em minha sopa.
Risca de caneta minha roupa.
Enche de areia meu calçado.
Deixa o chão da sala encharcado.
Rasga meus livros todos.
Me faz escrever textos tolos.
Se embrulha de estardalhaço.
Amarra nos postes meus cadarços.
Diz que é verdade o que nem sente
Para terminar assim reticente...

segunda-feira, 14 de março de 2016

(C)oração de mãe

Recolhe-me em teus braços novamente. Apaga meus erros, me traz o chá. Me traz a comida requentada. Põe na mesa de novo aquele arroz, branco e duro. Junta aquele feijão e faz aquela oração. Agradece o pão. Faz-me acreditar de novo, me diz que Papai do Céu cura, me diz que Deus está lá e nos olha com seus olhos enormes que tudo veem. Mas me diz uma vez a cada meia hora, me diz com a mesma esperança em que eu acredite. Me diz de novo que vamos para o céu, que lá estão todos os que amamos. Mas me diz baixinho, com a certeza de que eu jamais irei questionar. Me ensina de novo os Padre-nossos, as Salve-rainhas, os Santos-anjos, os Credos, me faz decorar os Santos Mistérios para nunca mais esquecer. E canta! Canta com tua voz rouca e velha aquelas cantigas de vó rezadeira, cantigas que falam de sacrário e altar, que contam a vida dos santos que pisaram neste solo impuro que hoje habito, incrédula. Mas esquece que eu me perdi. Calça meus sapatos, aperta o laço do meu cabelo. Me desmancha os cachos com teu pente fino, afaga minha pele com teus tapas, me faz jurar novamente que eu não vou errar de novo. Me acende essas velas e reza por mim tuas rezas de mãe, essas rezas que Deus escuta. As minhas foram silenciadas e não há nada que eu possa fazer a não ser pedir encarecidamente: recolhe-me em teus braços. Apaga meus erros, me traz o chá...


segunda-feira, 7 de março de 2016

Tardia


Chega em hora errada, no final da primavera. Encontra flores murchas e um cheiro de queimado no solo - no qual pisa com força correndo em direção ao centro. Arde a tarde em cem mil sóis, tudo fica vermelho e dói.  Morre no horizonte a última chispa de fogo, senil. É tarde, é ocaso, embora a adolescência não lhe tenha consumido o lume. Resta ainda uma labareda atrasada a abrasar-lhe os pés.  Se, por acaso, antes cativasse, antes colhesse, antes, bem antes, tivesse aparecido. Mas - alarde - agora é tarde. Chegasse antes, teria visto os campos vastos, desocupados. Iria correr infinitamente, colorindo de laranja os registros. Mas agora parte. Para longe, afasta. Fica só o futuro do pretérito do verbo querer: quereria.  Arde a tarde, tardia. 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Prosa previsão

Seria terça-feira, lembro bem, perdi-me. Deus, em sua infinita misericórdia, quereria me resgatar. Eu não me quis. Deixaria o controle da vida pertinho da TV e sairia. Após dois dedos de vinho precedidos de uma taça de descontentamento, acordaria de ressaca, trocando os pés pelas mãos com um nome novo cortando peito, garganta e nós.



terça-feira, 7 de julho de 2015

Domingo

Esperou a semana inteira - que deve ter durando dois meses, ao menos, assim sentia. 
Subiu na construção porque ainda era sábado, “seus olhos embotados de cimento e lágrimas”. Esperou domingo.
Construiu paredes, aprumou pisos, armou vigas e esperou.  Principalmente, esperou.
A noite durou dois meses, ao menos, assim esperava.
Esperou pelas palavras duras e a maca vazia. Esperou sem saber, mas esperou amanhecer.
Esperou na fila de espera. Para receber a parcela de dor que lhe cabia na vida.
Esperou o ônibus e voltou para casa.
Bateu os olhos nos olhos dela. Ela sabia. Ela também havia esperado.
Ficaram a se olhar por uma breve eternidade. Agora sabiam.
Esperou pela pergunta que não veio, mas...
Confirmou em silêncio que “sim”. Esperou-se um pouco mais.
Para que, ambos, exibissem a mesma cicatriz.