terça-feira, 23 de novembro de 2010

Corra: o Natal vem aí

Olá, amigos.

Ainda estamos em novembro, mas todos os dias eu, assim como você, somos bombardeados por alardes sobre o natal, que está se aproximando. Isso me faz lembrar de algo que li esse ano, então pedirei licença para postar um texto que não é de minha autoria, mas com o qual me identifico muito. É uma crônica de Cecília Meireles, retirada do livro Quatro Vozes.


Compras de Natal

A cidade deseja ser diferente, escapar às suas fatalidades. Enche-se de brilhos e cores; sinos que não tocam, balões que não sobem, anjos  e santos que não se movem, estrelas que jamais estiveram no céu.
As lojas querem ser diferentes, fugir à realidade do ano inteiro: enfeitam-se com fitas e flores, neve de algodão de vidro, fios de ouro e prata, cetins, luzes, todas as coisas que possam representar a beleza e a excelência.
Tudo isso para celebrar um Meninozinho envolto em pobres panos, deitado numas palhas, há cerca de dois mil anos, num abrigo de animais, em Belém.
Todos vamos comprar presentes para os amigos e parentes, grandes e pequenos, e gastaremos, nessa dedicação sublime, até o último centavo, o que hoje em dias quer dizer a última nota de cem cruzeiros, pois, na loucura do regozijo unânime, nem um prendedor de roupa na corda pode custar menos que isso.
Grandes e pequenos, parentes e amigos são todos de gosto bizarro e extremamente suscetíveis. Também eles conhecem  todas as lojas e seus preços -  e, nestes dias, a arte de comprar se reveste de exigências  particularmente difíceis. Não poderemos adquirir a primeira coisa que se ofereça à nossa vista: seria uma vulgaridade. Teremos de descobrir o imprevisto, o incognoscível, o transcendente. Não devemos também oferecer nada de essencialmente necessário ou útil, pois a graça destes presentes parece consistir na sua desnecessidade e inutilidade. Ninguém oferecerá, por exemplo, um quilo ( ou mesmo um saco) de arroz ou feijão para a insidiosa fome que se alastra por estes nossos campos de batalha; ninguém ousará comprar uma boa caixa de sabonetes desodorantes para o suor da testa com que - especialmente nesse verão -  teremos de conquistar o pão de cada dia. Não: presente é presente, isto é, um objeto extremamente raro e caro, que não sirva a bem dizer apara coisa alguma.
Por isso é que os lojistas, num louvável esforço de imaginação, organizam duas sugestões para os compradores, valendo-se de recursos que não a própria imagem da ilusão. Numa grande caixa de plástico transparente (que não serve para nada), repleta de fitas de papel celofane ( que para nada servem), coloca-se um sabonete em forma de flor ( quem nem se possa guardar como flores nem usar como sabonete), e cobra-se pelo adorável conjunto o preço de uma cesta de rosas. Todos ficamos extremamente felizes!
São as cestinhas forradas de seda, as caixas transparentes, os estojos, os papéis de embrulho com desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas o que na verdade oferecemos aos parentes e amigos. Pagamos por essa graça delicada da ilusão. E logo tudo se esvai, por entre sorrisos e alegrias. Durável - apenas o Meninozinho nas suas palhas, a olhar para este mundo.