quinta-feira, 18 de abril de 2013

Capela


Sento-me na paz dos umbrais
da simples construção de madeira
são paredes, teto, chão e vitrais
Local de minha oração derradeira

Cantei sóbria meu último hino
e deixei aqui morrer minha fé
Ficou nestes bancos, neste sino
a dor de se descobrir quem se é

No sacrário de porta reluzente
a luz vermelho sangue ainda brilha
Nas velas cintila a chama ardente
A capela me lembra: ainda sou filha

Quem dera poder reviver esse altar
Seria eu de novo inocente criança:
- “Mãezinha do Céu, eu não sei rezar”
Comungaria “o pão vivo, maná da aliança”

terça-feira, 9 de abril de 2013

Periferia


Ladeiras poeirentas dissimulam tua falta de estrutura. - Ali? Ali não mora ninguém.
Fingem! Por entre uma porção de tijolos e tábuas se escondem as gentes.
Entre valetas e vielas. Não te dizem “favela”. É cidade, é saneada.
Mentem! Tua lama viva que se acumula nas esquinas, nas bocas, nos bueiros, prova: é viva comunidade, resquício de Cortiço.
Ignoram! As gentes se acumulam em coletivos que desviam de buracos e corpos.
Onde se misturam os sotaques, os falares - dos outros - há uma paz calada.
Rezam! Igrejas, e bares, e prostíbulos: uma linha tênue entre o Céu e o Inferno é a minha periferia.
Omitem! São largos terrenos baldios cercados por muros onde descansam os vadios.
Numa rua que sobe, mas nunca ascende, lá pela tarde, se escuta o galo rouco cantando.
Renascem! Todo dia brota uma nova vida onde se afia a faca e se abastece o revólver – é tudo vontade de sobreviver e não deixar barato o descaso.
Vingam! O barulho encobre a voz da suave desgraça de ser parte desse mato incortável da periferia. Gente que é mato.
Matam! E à noite, quando voltam os rostos cansados, vê-se ali a essência que mantém o círculo infinito da vida: uma busca incansável de não se sabe bem o quê.