quarta-feira, 30 de maio de 2012

Esperança

Era louco, todos concordavam. E pela manhã, abria sua casa e começava seus afazeres: arava a calçada de piso bruto, arrancando as pequenas pedrinhas que pipocavam aos seus pés e as jogava para o lado com obstinação, como se o gesto fizesse bem ao chão machucado pelo rastelo. Cansava, enxugava a face com a manga da camisa encardida, largando um olhar de satisfação para chão. Apoiava-se no cabo de sua ferramenta de trabalho e suspirava de exaustão.
Após a aragem, sentava-se na varanda e punha-se a olhar para o resultado de seu trabalho. Apressava-se quando ouvia ao longe a algazarra dos pássaros. – é necessário que se ajeitem os espantalhos – e amarrava mais panos velhos à pequena cerca de madeira raquítica.
Passado o almoço, regava toda a casa; dava a volta na construção de madeira apodrecida e sem cor, molhava cuidadosamente os cantos, os palanques, os caibros, dando especial cuidado para o quarto, neste, ele derramava água extra e ajeitava com as mãos o chão de terra vermelha de onde surgia o cômodo.
 Quando chovia, ah! Que alegria daquele velho louco! Saía para a rua, enchia seu bule de chá na primeira poça d’água e voltava ofegante, regar as janelas, o murinho, a varanda toda e principalmente o quarto.
Se, por acaso, questionavam suas atitudes, uma só era a resposta: - meu pai foi lavrador, minha mãe foi parideira, tenho irmãos espalhados nessa cidade inteira. Meu vô foi cantador, minha vó foi benzedeira, tenho tios espalhados por essa cidade inteira - e continuava sua ladainha, nada respondia, só confirmava sua falta de razão.
Chegada a tarde, que satisfação do louco! Sentava-se na varanda e jogava uma infinidade de sementes, não se sabe do que, uma a uma, saboreando o barulho da queda; sorria, ria, gargalhava. Depois, era apenas olhar para o dia de trabalho, até a noite, quando, após a janta e o banho, deitava-se na rede suja e fazia suas orações, pedindo que o tempo colaborasse com sua lavra. Piso arado, a casa regada, as pedras daninhas retiradas, o espantalho reforçado, o louco pensava: essa noite, quem sabe, finalmente, brote uma família!