Cresci cética. Não culpo meus pais. Cresci descrendo de tudo aquilo a
que se põe certa dúvida.
(Menos de Deus, a quem, por cultura, me foi imposta uma fé sem
precedentes)
Desde criança desdenhava dos amiguinhos.
- Não existem coelhos que botam ovos. Muito menos de cacau -
e ria sem graça nenhuma.
-
As fadas, se existissem, não iriam querer esse seu dente amarelo e
cariado, dizia eu - para ira das mães dedicadas a fazerem seus filhos felizes
com o lúdico. “Lúdico” que é uma palavra feia.
Mas
quando o final do ano chegava... aí, a situação ficava um pouco mais séria.
- Para que essas árvores? De onde tiraram essa ideia estapafúrdia
de um velho barbudo com roupas vermelhas entregando presentes nessa miséria de
lugar quente?
E as crianças repudiavam minha atitude de menina que não sabia
brincar, diziam que eu não iria ganhar presente se continuasse agindo assim .
Curiosamente, não ganhava mesmo.
As colegas mães dizem que devo deixar meu filho sonhar e ser criança
contando a ele uma série de lendas e o fazendo crer em coisas absurdas e
fantásticas, pois somente assim ele será uma criança feliz. Continuo sendo vilã
e o faço dizer aos coleguinhas que, infelizmente, Papai Noel e Bicho Papão são
coisas que a sua mamãe inventa para te chantagear.
Disse que não culpo meus pais por esse exacerbado ceticismo. Mentira.
Culpo sim. Lembro que fiquei assim depois do que minha mãe, com sua
habitual simplicidade, certa vez me contou:
“Sempre me disseram que o Papai Noel passava na noite de Natal deixando
um presente para quem colocava o sapatinho na janela. Eu e meus seis irmãos
nunca esperamos o Papai Noel. Como o bom velhinho iria adivinhar que ali
moravam sete crianças se não tínhamos nenhum calçado?”